PETIT FESTIVAL DE JANEIRO



Num sábado de janeiro, fez sol. Algumas pessoas se reuniram em uma praça pública, situada em um bairro nobre da cidade. Algumas bandas e DJs, de gêneros variados, tocaram durante o dia até a chegada da noite. Sete food trucks, estacionados em cima da praça, serviram comidas de variados preços e sabores. O espaço público foi ocupado pelas pessoas em espírito de convivência, troca de ideias e diversão. Afinal de contas, era verão.

Foi mais ou menos assim o "Petit Festival de Janeiro", que reuniu pouco mais de mil pessoas na praça Theodoro de Almeida Pupo, comumente conhecida como Praça dos Cachorros ou Praça do Amor. O pequeno festival que durou 10 horas contou com o show(zásso, diga-se de passagem) da banda Skafandros Orkestra, além das pick-ups quentes do Dj Xegado, dos sons latinos do Dj uruguaio Sonido Superchango, da performance live eletronic de Érica Alves, das composições de samba originais do Telecoteco e de outros 10 artistas e bandas convidadas que compunham o modesto line-up de graça. Entraram de cabeça, sem cache garantido, cada um desses artistas, que movimentam a cena independente de sua cidade, seja São Paulo ou Montevidéu, Piracicaba ou Campinas, todos os finais de semana. Aconteceu, mas foi quase.

Na metade da semana que antecedia o festival, recebi uma ligação da prefeitura dizendo que, amparados pela lei, seletos moradores do bairro poderiam abortar um evento que buscava dar vida e utilidade a linda praça à frente de suas casas. Sob os argumentos de que "não tem estrutura" ou "vai trazer baderna pra cá", o evento sofria o risco de ter que ser realocado e, ainda por cima, ter que acontecer sem palco (já que este já havia sido montado na praça que o inspirou). Após a realização bem sucedida do evento, o público (muitos também moradores do bairro) acharam o evento algo extraordinário, raro para aquele lugar e de eficiente organização. Coloco-me a imaginar que em todos os sábados do ano acontece um Petit Festival de Janeiro, nas cidades em que estes 'distintos moradores' costumam a viajar, Miami, Paris, Londres, sem qualquer reclamação. Porque aqui é tão difícil organizar algo assim?

A lei de número 11749/03 de 13 de novembro de 2003, sancionada pela prefeita Isalene, é o principal instrumento para o prevalecimento do interesse privado sobre o público no caso de eventos em Campinas, a mesma lei que proibiu o carnaval de rua de Barão Geraldo esse ano, curiosamente. Pouco a pouco, os espaços que são de todos, como a rua ou uma praça, vão sendo cerceados para dar lugar ao que Teresa Caldeira chamou em seu livro A Cidade de Muros de 'enclaves fortificados'. Em outras palavras, condomínios, shopping-centers e muito ar condicionado. Nada contra a princípio, mas porque não oferecer os dois, lugares públicos abertos, como praças e eventos de rua, e semi-públicos controlados, como shopping-centers e eventos fechados? É que Campinas, como outras cidades, vem se tornando uma cidade de pensamento único, que opera sobre uma lógica da 'viabilidade comercial'. Além de favorecer os interesses de poucos, essa lógica é bastante limitante das possibilidades que se pode oferecer para a população.

Foi esse pensamento único que a organização independente do Petit Festival de Janeiro buscou desafiar, recebendo o apoio da Secretaria de Cultura da Prefeitura. O vínculo com as bandas foi o que permitiu o alto grau de experimentação do evento. O cache de toda equipe seria dividido igualmente a partir do lucro das vendas. Da mesma forma, janeiro é um mês morto pra cultura, entre final de ano e carnaval, especialmente em cidades não turísticas como Campinas. O festival conseguiu mobilizar os artistas e produtores ao redor de uma tarefa simples mas, hoje em dia, ousada: ocupar a praça. Se a praça é pública, porque um evento tão inofensivo como este poderia causar qualquer ruído? Talvez pelo medo que nós, campineiros, temos de ocupar a rua, encher a praça e deixar a cidade viva.